segunda-feira, 14 de maio de 2018

MEMORANDO DA CIA SUGERE QUE GEISEL SOUBE E AUTORIZOU EXECUÇÕES DE PRESOS POLÍTICOS

 Geisel e Figueiredo: revelações que chegam dos Estados Unidos


Um memorando feito pelo ex-diretor da CIA William Egan Colby em 11 de abril de 1974 e destinado ao então Secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger sugere como o ex-presidente Ernesto Geisel soube e autorizou a execução de centenas de opositores políticos durante a ditadura militar no Brasil. 

Nele, está descrito um encontro em 30 de março de 1974 entre o presidente Ernesto Geisel com o general Milton Tavares de Souza e com o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente os chefes de saída e chegada do Centro de Inteligência do Exército (CIE), à época. No encontro, também estava o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Figueiredo, inclusive, sucedeu Geisel na presidência em 1979.

Durante o encontro, segundo o documento, o general Milton Tavares de Souza, que estava deixando a chefia do CIE, informa a Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas feita pelo CIE durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, e pede autorização para continuar a “política” de extermínio no novo governo.

Em nota divulgada na noite de quinta-feira, o Exército Brasileiro afirma que os documentos relativos à atuação do CIE e de outros órgãos no Brasil não existem mais, e que por isso não pode confirmar a veracidade dos fatos contidos no documento da CIA.

"O Centro de Comunicação Social do Exército informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados, foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época — Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS)", diz a nota.

O documento foi localizado pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas Matias Spektor. Para ele, “é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos”. — Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa — afirmou Spektor.
No memorando, o diretor da CIA escreve que o general Milton Tavares “enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista e disse que métodos extra-legais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante os anos anteriores (1973), aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade”.

Na reunião, Geisel pediu para pensar durante o fim de semana para decidir se continuava ou não com a “política”. Em 1º de abril, o memorando informa que o presidente disse ao general Figueiredo que a “política deveria continuar”. No entanto, Geisel orientou que “apenas subversivos perigosos fossem executados”. Ele e Figueiredo concordaram que todas as execuções deveriam ser então aprovadas por Figueiredo.

“Quando a CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe da CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que a CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral da CIE será coordenado pelo General Figueiredo”, descreve o documento.

Segundo a rede do governo americano onde esses documentos estão sendo disponibilizados, uma cópia do memorando vai ser disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. Hoje, a descrição do documento está disponível online no site dos documentos históricos americanos, que desde de 2015 está liberando documentos sobre a América Latina. O original está na CIA.

Na leitura do documento, é possível reparar que o primeiro e o quinto parágrafos do memorando continuam secretos e não foram desclassificados.

O pior dia das mães

No Dia das Mães de 1973, Zuzu Angel foi à casa de Ernesto Geisel. A estilista acreditava que o general poderia ajudá-la na causa de sua  vida: a busca pelo corpo do filho Stuart, desaparecido aos 25 anos.

“Naquele dia estive na sua residência e levei a minha aflição”, ela escreveu em abril de 1975, quando Geisel já ocupava a Presidência.  “Estou certa de que Vossa Excelência, como pai e como cristão que é, há de compreender a angústia em que vivo há quatro anos”, prosseguiu.

O documento localizado pelo professor Matias Spektor desmancha a imagem de bom pastor do filho de imigrantes alemães. Em memorando secreto, o diretor da CIA William Colby descreve uma reunião em que Geisel autoriza a continuação da matança em seu governo.

O general ouve um relato sobre o extermínio de 104 opositores políticos e encarrega João Figueiredo, que iria sucedê-lo no Planalto, de decidir quem deveria morrer nos porões no regime.

“Isso desmonta a tese de que Geisel passou seu governo brigando com a linha-dura”, avalia a historiadora Heloísa Starling, professora da UFMG e ex-colaboradora da Comissão Nacional da Verdade. “Ele sabia de tudo, estava de acordo e queria escolher quem seria assassinado”, prossegue.

No livro “A Ditadura Derrotada”, o jornalista Elio Gaspari revelou uma gravação em que Geisel diz ao general Dale Coutinho: “Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”.

O memorando da CIA ajuda a entender o personagem ao contar que ele frisou os “aspectos prejudiciais” dos assassinatos e ainda pediu o fim de semana para pensar antes de dar aval à barbárie.

Mais uma vez, o país deve ao Departamento de Estado dos EUA a confirmação de crimes praticados pelo Estado brasileiro contra cidadãos brasileiros. Ontem o Exército repetiu que os papéis do período foram destruídos, uma versão que não convence a maioria dos pesquisadores.

O documento vem à tona às vésperas de outro Dia das Mães, num momento em que um deputado nostálgico da ditadura lidera a corrida presidencial. O corpo de Stuart nunca foi localizado, e Zuzu morreu num desastre de automóvel em 1976, ainda no governo Geisel. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos considerou o caso um atentado para silenciá-la.

Nunca houve ditabranda

 A revelação dos documentos da CIA sobre a atuação de Ernesto Geisel mostra que tortura e execuções de opositores eram práticas comuns a todos os presidentes da ditadura militar e que não existiu um general mais brando, avaliam historiadores ouvidos pelo GLOBO.O memorando da CIA, revelado nesta quinta-feira, sugere que o ex-presidente Geisel soube e autorizou a execução de opositores ao regime militar. 

Para estudiosos, o assunto já havia sido tratado em livros e na Comissão da Verdade, mas agora há uma confirmação de uma fonte exterior. Para o historiador Luiz Antonio Dias, do departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o documento é uma prova irrefutável de que Geisel, apontado como um presidente militar mais moderado, sabia e autorizava o que ocorria nos porões do regime. — Nunca houve uma "ditabranda" — afirma Dias.
Segundo o historiador, a revelação do memorando da CIA não surpreende quem, como ele, pesquisa o período. Dias ressalta ainda que documentos da Comissão da Verdade já davam indícios de que tortura e mortes não eram atos isolados.

— Talvez (os presidentes) não soubessem tantos detalhes, mas concordavam no sentido de que o processo de expurgo (de adversários de regime) deveria continuar — analisa o historiador.

Para o historiador da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis, o documento fortalece o que a o jornalista Elio Gaspari já havia escrito numa coleção de cinco livros sobre o golpe de 1964 e os desdobramentos do regime militar.

— O documento tem valor histórico porque corrobora um fato que já estava estabelecido. Eu vejo mais como uma confirmação do que o Gaspari já havia escrito ao contar que o Geisel não apenas sabia das execuções, mas também queria que passassem pelo Planalto. A irritação dele (Geisel) era mais nos casos em que se matou sem a autorização.
Reis também lembra que o assunto já havia sido levantado na Comissão da Verdade: — A Comissão da Verdade, mesmo não tendo acesso a toda essa documentação, já havia estabelecido que a tortura e as execuções eram prática do regime.
Sabiam de tudo

O documento descoberto e divulgado pelo professor Matias Spektor nesta quinta-feira é um achado de grande valor histórico, por constituir uma poderosa confirmação material de que o assassinato de opositores era uma política de Estado da ditadura militar brasileira (1964-85). 

Ao descrever duas reuniões entre o presidente Ernesto Geisel e três generais logo nos primeiros dias de seu mandato, em 1974, o memorando produzido pela Central Intelligence Agency, a CIA, é uma prova de que o assunto era discutido pela cúpula militar em Brasília. 

Tortura e assassinato não eram coisa feita apenas por oficiais psicopatas fora de controle, que operavam pelo país afora em centros de extermínio como os DOI-Codis; eram de pleno conhecimento e autorizados por superiores que usavam não apenas farda, mas também terno e gravata.

Já se sabia que o presidente Ernesto Geisel (1974-79), o penúltimo dos generais e o homem que iniciou o desmonte da ditadura, concordava com a eliminação dos militantes de esquerda que ainda tentavam se insurgir contra a ditadura pela luta armada. 

A primeira prova foi exposta em 2003 no livro “A Ditadura Derrotada”, do jornalista Elio Gaspari. Trata-se da gravação de uma conversa entre Geisel e o general Dale Coutinho sobre o extermínio  dos guerrilheiros no Araguaia. Ao ouvir o relato de Coutinho sobre a matança, Geisel diz que a prática é ruim, mas deveria continuar. “Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas acho que tem que ser”.

Por ter sido produzido pela Central Intelligence Agency, a CIA, o documento é de grande credibilidade e relevância. Por ter sido transmitido por seu diretor, William Colby, para o então secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, mostra quão caro e delicado o tema era ao governo americano. O combate a possíveis focos de esquerda na América Latina fora a razão do apoio americano ao golpe de 1964.

Dez anos depois, o assunto ainda era de interesse do governo americano. Em determinado ponto, a CIA usa o eufemismo “métodos extra legais” para descrever tortura e assassinatos. O termo merece atenção. Não é possível dizer se Geisel e seus interlocutores consideravam que o que o Estado brasileiro fazia era crime, mas a CIA considerava que sim. 

O governo americano sabia que os militares brasileiros torturavam e matavam opositores, mas evitavam dizer isso às claras. Agentes de inteligência são do time dos diplomatas, craques em criar eufemismos para situações embaraçosas.

No meio do texto há uma pérola para historiadores: o momento em que o general Milton Tavares de Souza, então diretor do Centro de Informações do Exército (CIE), de saída do cargo, um homem do silêncio, informa a seu sucessor, Confúcio Danton de Paula Avelino, a Geisel e ao então diretor do Serviço Nacional de Informações, general João Figueiredo, que 104 pessoas haviam sido eliminadas pelo CIE no ano anterior. 

Cifras de mortos e desaparecidos produzidas por militares brasileiros são uma raridade. Vinda de um oficial tão graduado, indica que os militares acompanhavam de perto o extermínio. Se sabiam o número, pode-se arriscar que sabiam seus nomes e onde foram executadas. Há espaço para investigação aí.

Merece atenção o fato de o documento descrever que Geisel define o escopo da política “extra legal” a seus subordinados: apenas “subversivos perigosos” deveriam ser executados. Sempre que o CIE capturasse algum, seu chefe deveria consultar Figueiredo; e o “subversivo” só poderia ser executado após aprovação de Figueiredo.

Tal informação leva a responsabilidade pelos assassinatos até o chefe do CIE e o do SNI, dois dos militares mais poderosos do governo – não à toa, Figueiredo seria o sucessor de Geisel. 

Pode-se inferir que, se a regra de Geisel foi seguida, Figueiredo foi consultado e autorizou a morte de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), entre outros. Todos foram eliminados pela turma do CIE. Há muita pesquisa a ser feita neste campo. Fonte: O Globo.

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